O Estrelismo no Movimento Espírita


Fábio Sousa

"E conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará." - João 8:32

Desde muito, venho observando no Movimento Espírita certo anacronismo, que pode não parecer - mas é um verme sutil e assaz perigoso: o estrelismo.

Ele se encontra principalmente nos círculos de palestrantes - nossos sucessores dos sacerdotes - em programas de TV, rádio, simpósios, congressos, jornadas, etc. Podemos aferi-lo até mesmo nas nossas famosas "reuniões d o u t r i n á r i a s " . G r i f o o t e r m o " r e u n i õ e s doutrinárias", porque são encontros em que - diz o nome - se discute e pratica a Doutrina Espírita. Mas já repararam que o termo virou sinônimo de "reuniões de palestra"?  A doação da sopa, do farnel, os estudos dos livros orientados pelo Mais Alto, as psicografias públicas, as mediúnicas íntimas e a evangelização infanto-juvenil... também não estão estritamente ligadas à Doutrina Espírita, ou seja, o conjunto de discussões teóricas elencadas pelos luminares da Espiritualidade com vistas ao nosso progresso moral e material?

Isso ficou muito mais patente para mim, nos últimos tempos, sendo que dois fatos me levaram à conclusão tácita de que o  Movimento Espírita está se afastando dos evidentes propósitos de Jesus:

1. Determinado conferencista - um dos mais conhecidos - recentemente mudou de opinião a respeito de ponto-chave de discussão no Espiritismo hodierno, se quisermos ser justos e cumprir a Lei de Deus: a homossexualidade. Ele chegou a publicar livros que abordavam o tema, onde dizia que o Espiritismo não era contrário ao indivíduo ser homossexual, mas, sim, contra a prática da "pederastia" (termo obsoleto já na época dessa sua fala). Agora, ele vem dizendo que é de parte da liberdade com que Deus nos dotou deixar que o indivíduo viva a homossexualidade e que isso é uma das condições de promoção de sua felicidade pessoal (sabemos, pela Doutrina Espírita, que as pessoas são felizes quando cumprem as Leis de Deus). Nada contra o fato de ele ter mudado de opinião: ele é HUMANO (grifo proposital) como todos nós. O problema é que grande parte do Movimento Espírita mudou de opinião com ele e se modificará, quando ele de novo modificar suas ideias, pois está mimetizado a ele e não com a Verdade.

2. Outro fato que me chamou a atenção - e esse foi de ordem exclusivamente pessoal - é que militava numa casa espírita de onde decidi - por livre e espontânea vontade, frise-se - deixar de atuar diretamente. Motivo: a insistência de que não se deviam aplicar passes ou ir à reunião mediúnica trajado de bermuda ou, por exemplo, dirigir a palestra doutrinária sentado de cadeira. Não é necessário que eu argumente muito contra essas normas exteriores. Passei a recordar com frequência de "O Pequeno Príncipe", de Antoine Saint-Exupéry, quando ele descreve o sábio que foi proferir palestra em roupas estranhas e não foi levado a sério, mas que, depois de proferir a mesma palestra trajado de terno foi ovacionado... Outro dia passei pela referida casa, para buscar alguém, e percebi que algumas pessoas que eram contra que eu usasse bermuda estavam de shortinhos no mínimo no meio das pernas!... Sim, eu compreendo tudo isso...

Poderia citar muito mais coisas, como o palestrante que queria um avião particular para ir realizar uma palavra num evento de peso num determinado Estado da Federação, pois prevejo que o passo seguinte talvez seja a adesão definitiva aos espetáculos pirotécnicos (afinal, nós já estamos, desde muito, pagando ingressos?!) Cuidado: agindo assim, não estamos buscando destino diferente daqueles que, durante toda a treva da Idade Média, macularam o pensamento de Jesus!

A Verdade é a Verdade em qualquer época e lugar, e é a Ela que devemos buscar. A Verdade é personificada em Jesus e não nos nossos falíveis palestrantes da Terra. Quem exemplifica é mais digno de nota do que quem muito fala e pouco faz - inclusive eu.

Não sou contra palestras, que são valioso elemento de divulgação, mas sou contrário a se ouvir qualquer palestrante que seja como um representante direto da Verdade; a se pensar que os oradores serão os substitutos dos artistas ou dos sacerdotes que, bem recentemente em nossa história evolutiva, aprendemos a desendeusar; a se levar à ilusão pensando que a palavra de um conferencista irá nos privar do esforço do estudo, da própria observação e da vivência na jornada
encarnatória; a se pensar que devemos colocar o Cosmos a serviço da vaidade humana e não a debelar a vaidade humana, confrontando-a com a grandeza das obras de Deus.

Sou escritor e vivo bem este vício: sou levado a meditar mais e mais a respeito do significado das honras humanas de um modo paradoxal: meu público, em sua maioria, não é espírita, e até gosto disto: para chamar a atenção sobre minha obra, tenho que exatamente fazê-lo, e é a parte que mais detesto neste trabalho: o homem aprendeu que, para avaliar uma produção, é preciso ter curiosidade sobre o seu produtor. Mas, se num contexto não-religioso isso infelizmente se aplica, devido à ignorância das massas a respeito da Verdade, que tanto buscamos, tenhamos cuidado ao fazê-lo no seio do Movimento de Renovação das Ideias que há de abarcar o mundo inteiro. É da Obra de Jesus, Nosso Mestre e Senhor, que estamos falando: foi Ele quem amavelmente nos acolheu na Terra para que crescêssemos um pouco mais, e está apenas nos chamando para colaborarmos em Sua Vinha de Luz nestes derradeiros momentos. Estamos a meditar nas consequências, para toda a Humanidade, se continuarmos a macular assim o Seu esforço inefável? Sejamos coerentes, senão teremos que deixar um pouco os estudos de Kardec e Chico Xavier para voltarmos humildemente a Saint-Exupéry.

Fonte: Jornal da Mediunidade - N. 36

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